segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A Síndrome da Grande Idéia

Escrever é trabalho árduo, lento e, em algum ponto, frustrante. Na maioria das vezes o escritor senta numa cadeira fervilhando de grandes idéias, inovadoras, cheias de egocentrismo empolgante. E tudo se esvai pelo fio da meada. Assim como começa, a “grande idéia” some repentinamente, num piscar de olhos, num gole ou numa tragada. É simples assim. Nenhum grande texto no mundo está cheio de grandes idéias.

Alguns autores chamam isso de crise criativa, outros, mais céticos, de busca do perfeccionismo. Na verdade não é nada mais do que a Síndrome da Grande Idéia. É estar tão perseguido de bons romances, poesias e crônicas, que o escritor acha suas idéias bastante ultrapassadas, imperfeitas, dissonantes da sua realidade. O autor acaba cometendo uma sabotagem com seu eu lírico. É um bloqueio de idéias pelo simples fato de pensar que nada daquilo que está na ponta do lápis (ou das teclas) servirá para alguém, algum dia.

Concordar com a Síndrome da Grande Idéia não é ser a favor de qualquer texto ou autor, muito menos achar que todas as idéias são válidas. Nem é preciso ter senso crítico para saber o que deve ser apreciado e o que não deve. E não estou falando dos grandes clássicos ou unanimidades da literatura. O gosto literário é exatamente igual ao gosto culinário. Algumas vezes você vai gostar, é certeza, outras você experimenta e não gosta, outras são boas surpresas, etc.

O problema que rodeia todos os autores (leia-se “criativos em geral”) é a grande influência de seu público na sua obra. Independente de quem esteja por trás dos grandes textos, sempre estará atrás dele o seu público, qualquer que seja. Ninguém escreve pra ninguém ou para si mesmo. A escrita é ferramenta de comunicação e, por isso, necessita de, pelo menos, dois interlocutores. Caso contrário pode ser esquizofrenia, dupla personalidade ou não é comunicação. É justamente isso que o interlocutor-escritor sempre está preocupado com quem o lê. E é nessa relação mútua que o autor se perde. Ora ele subestima, ora ele superestima.

Quando há a subestimação as palavras seguem linhas fáceis, com poder auto-destrutivo e o esquecimento instantâneo. Porém, quando superestima não só a si como o seu público o escritor tem a Síndrome da Grande Idéia. Diz-se traído por si mesmo por não ter dado a seus leitores o que considera o mínimo necessário. É como se Dostoievski, Nietzsche, Cervantes, Shakespeare, Drummond (ou qualquer outro à gosto) fossem seus leitores assíduos e criticassem antes mesmo das obras estarem formalizadas em algum papel.

O remédio para a tal Síndrome da Grande Idéia é óbvia e é um grande pleonasmo: começar as coisas pelo começo e terminar no final. Não se pode armar uma rede pelo meio. É preciso dos punhos e das escápulas para armar algo em que se possa deleitar por um tempo.

Medidas as proporções, iniciar um texto é como fazer um roteiro num grande mapa: você tem o seu ponto de saída, ponto de chegada e os caminhos intermediários. Pode acontecer de parar um pouco antes ou seguir viagem, mas ficar imaginando que o trajeto que você escolheu muito antes de armá-lo vai ser o melhor para você e para seu público é desalentador. Este texto, por exemplo, começou bem, lá em “Escrever...”, deu voltas, saiu do rumo, entraram várias palavras e frases, foram substituídas e terminou bem aqui, nesse ponto final.


P.S.: Como escrito em certo ponto deste texto, ele vale não só para escritores/autores, mas para criativos em geral.

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